08/12/2009

Tardes II cap. II

Madrugada,ela não dormiu ainda, fuma um cigarro, olha a chuva lá fora, adora o som dos pingos no telhado.Vela o sono dos filhos, tenta se acalmar, clama por Deus...olha em volta, sua cabeça gira, apaga o cigarro, resolve ler um texto e ir até de manhã acompanhando a passagem das horas...
amanhã precisa terminar o trabalho,é uma escultura e quando ela a faz o vento lhe sopra o inesperado. Com o cabelo cortado, o anjo de barro sentado,aponta a ferramenta em direção á boca a fim de aperfeiçoar os traços dele,há três dias esse anjo não se termina, foi necessária mais uma noite acordada,eis o anjo ,com a cabeça nos joelhos e muita tristeza. A exposição é na quinta e agora ela tem que assar as peças dá o toque esperado e final.

06/12/2009

Tardes II capitulo I

recortando cordéis entrelaçados
em uma tarde de quarta-feira, aquela mulher com tendência de isolamento, fechou-se em si. Com tantos afazeres domésticos e uma vontade de fugir para o mediterrâneo não ousava sequer balbuciar um pedido de socorro.Pra quem?não se sabe. Mas ela sentia-se sem forças,ás vezes vazia com medo de ficar deprimida ou arrogante.O que é feito dela?experimentando formas de vida, com incômodos e enjôos, beirando muitas vezes o esquisito. Lembrou se de sua avó dizendo;ô menina esquisita!quando á noite ela juntava os copos espalhados pela casa com a desculpa de que eles se sentiam sós quando separados... nesta quarta ela sentou-se na sacada da varanda com o bebê no colo e reparou na paisagem da cidade,reparou também em si,atordoada achando que não iria conseguir permanecer nem caber em si...teve que levantar-se para fazer um café,pois o homem chegara e com ele uma alegria de estar ali e não mais meditar,nem explodir.Ele contera a enxurrada de pensamentos desenfreados que se armara nela e a mesma mais uma vez olha e vê sua impaciência estancando o grito de dor,dormência.Estaria ela sendo exigente demais,urgente e áspera que nem a suavidade de um passeio de fim de tarde a aquietaria.Agora não dá mais prá ser exata,é que seu ímpeto de sair correndo sabe-se lá prá onde a paralisava e com todo aquele imaginário que no exato momento também lhe abandonara,ela se entregava a linha contínua e vasta do que nunca soubera.Se seu marido a traíra ou foi puro delírio,um motivo pra alterar a rotina.Onde foi se esconder aquela criatura tão leve e amável que conhecia?o cansaço a envelhecia e o espelho já não dizia de seus sonhos os planos, que planos?embutidos num espaço fundo e sem rumo, ela nunca fez planos, nem traçou objetivos, deixou a vida correr feito um cavalo ora desembestado, ora parecendo empacado. E agora esse cheiro de esperança pela mão do outro.Os amores vividos sem amar,a vontade de dominar sua vida e recomeçar mas,parece que não tem mais força ou é pura preguiça de continuar logo agora com tantas vidas rondando seus dias.Ela foi fazer um café como se não houvesse mais passado nem futuro,agarrando-se ao presente para não pirar.Sua amiga viera lhe visitar sentaram-se e começaram a recordar o tempo da faculdade, tempo de certezas,livros raros,saraus,amigos...só que ela nunca se entregou a nada,parece que morre de medo de errar,de querer, de estar...o seu amado a interrompe,diz que as crianças estão chegando.hoje ela desmorona.Chorara muito, de ensopar o travesseiro .Mas não sabe se isto lapidou seu espírito ou fez criar um lago em seu peito.Lia muito,mas talvez prá fugir de tudo.queria ter um baú,quem sabe estudar na sorbone.Mas rir de si.Beija ele,assim está bom,aceitando o momento de ficar quieta,não espernear.Sua amiga a convida para ir a um museu,por sinal interessante,ela se anima pois está aprendendo a lidar com o mundo virtual, com ferramentas que lá vai ter que usar.A mulher sai pra fazer compras. Incrível,quando ela iria imaginar que sentiria alegria em ir ao supermercado, deve ser por está sem sair prá trabalhar ou a sociedade de consumo a fisgou. As crianças chegaram e com elas o movimento próprio de casa com filhos. Ainda bem, senão o vazio seria maior, a inquietação pesada ceifaria a criatividade que por sinal não tem dado sinal...tem horas que aparece um toque de sino em sua cabeça, tentando acordá-la ou jogá-la fora de seu mundo,que mundo?ah!Drummond, help-me!...sua amiga diz que tem insônia que seus pensamentos a assombram que ao mínimo ruído ela se perturba e ao amanhecer, tomba como uma rocha gigante e rasga o resto do dia com unhas afiadas... seu filho a chama (da amiga), um adolescente em segredo, vivo muito vivo, sorridente... O bebê chora e ela corre sem demora.

Tardes I

amo as tardes ...com tudo plugado, com o céu amarrotado, embalado em fogos e tempestades com filhos atarefados, folhagem verde amarelado e tudo correndo ao meu lado, me afogando na saudade da calçada de minha aldeia sertaneja, poeira e sol escaldante,massapê ,atoleiro,plantação mais verdejante!lua delirante,alpendre de meu sempre cintilante e eu descendo a ladeira no embalo das palmeiras com as lavadeiras pelo caminho das bananeiras,nadando no rio das cabaceiras,pulava nas pedras,eh!menina arteira! gritava a mulher cantadeira.A noite andando no escuro pela rodagem de porteiras ia nas rezas , aniversários e brincadeiras.Em casa meu pai acendendo a fogueira velava a casa a noite inteira que nem um pajé livre na sua majestade brejeira.Caí de bicicleta do lado de lá da ribanceira,na caatinga me arranhei primeiro, depois gritei,não, não gritei,aguentei e muito de mim tenho aguentado e transformado no que ainda não sei.Só não tardes pois quero está atrelada ás suas noites e tardes do jeito que você sabe,embalados em nossa cara amizade .

Capoga/Muquem III

III
Sol dourado no sertão amarelado, pé de siriguela, bigu na feira do brejo,roda de ciranda nas noites de calor de marré deci...e o muquem na rural arrastando os pés na rodagem.Meu avô, Neco Tunico, homem alto , forte, confeccionando bainha de facão, chinelo de couro, obrigado a dar passagem em suas terras pro rei do sertão o temido Lampião.Minha avó Pedrina Pedrosa, india acocorada no pé do fogão a lenha, cachimbo na boca cabelo preto escorrido, corria atrás da gente miúda, as pestinhas, como dizia ela, com um cabo de vassoura na mão. Cheiro de pimenta do reino no feijão feito no caldeirão de ferro, buchada de bode, gritos de carneiro na madrugada olhar assustado pela fresta da janela, carne doce...cacimba,
banho de cuia, cavalo a galopar pela caatinga, primos, tias, levantando poeira no forró de chão batido, capela, zabumba e brincadeira de onça sob a lua cheia no alpendre de assombração...serra do araripe, meu pai no jipe, atoleiro, sangradouro, chuva no meu chão. A minha aldeia de barro tornou-se vaso rachado em minhas mãos de tijolo inflamado com ferramentas de aço inoxidável e galerias civilizadas, conceituadas e novamente apagadas em minha vida mosaica, prosaica, real desesperadamente real, lívida inesperadamente urgente de tudo...e eu com um bebê no colo, filhos em volta,criança em roda com seu pai e avô velando e guardando seu ideal. Quarenta anos se passaram,mas o tempo não existe, tá nublado, tá ensolarado...vidas gestadas, sorrisos guardados e o dia de hoje presenteado.

Capoga/Muquem II

II
O quarto dos netos,a sala de jantar com mesa comprida para almoço de domingo e porta de duas folhas que dava prum degrau onde avistávamos o curral cheio de vaca estrela e boi fubá... a despensa no labirinto da casa com chave pendurada num cordão dentro do bolso da matrona ,guardando iguarias e mimos trancafiados aos olhos de todos .Colado á despensa ,o quarto de sinhá Dôra,rede,pote dágua,caneca de barro,candeeiro,bacia e sabonete,ela adorava ganhar sabonete e desembrulha-lo como se não existisse metafísica no mundo ,adorava também que a menina pedisse a bença(o) ,era sua única alegria,naquela vida em dor ,tristeza segredo e silêncio que a menina tentava decifrar.Sinhá Dôra em sua rotina interminável de labuta,entrega e resignação findou noutro quartinho dos fundos da casa de sua sobrinha neta,sem descendentes,totalmente desprovida de qualquer mas qualquer mesmo sombra sequer de carinho.Antes do fim a menina adulta que se tornara a viu,de coração partido,partiu.Já não havia mais, a avó,a fazenda ainda estava lá,mas as paredes não abrigavam mais as vozes,o fogão não mais aceso,o quarto onde foi enterrada uma botija já não abrigava o sonho da menina, o escorregador do alpendre ficou pequeno demais,sem risos nem brincadeiras de criança...

Capoga/Muquem I

I
Seu Zé Cirilo, o vaqueiro de minha avó e sinhá Dôra a irmã dedicada, quase escrava de tão entregue, sua coluna já arqueada pelo esforço de erguer tachos de barro enormes e panelas de ferro expostas no giral de cipó que ficava lá fora perto da casa dos legumes que guardava cereais dentro de uma caixa de madeira imensa, tão alta que tínhamos que subir numa escada para ver lá dentro as sacas de açúcar, arroz, milho e outras coisas necessárias para família de 15 filhos, mais tantos netos e colonos dedicados no feitio da lida doméstica. Seu Zé Cirilo, o vaqueiro hermético de minha avó, vivia envolvido em seu gibão de couro, cheirado a mato, um cheiro quase religioso de quase extrema dedicação e amizade e fidelidade á uma matrona, rígida, severa... que acordava todos os dias ás 4 da matina para acender um fogão á lenha gigantesco comparado ao tamanho da menina que tudo ou quase tudo via.Via com olhos ora amedrontados e amendoados, ora cuidadosos e entregues. A menina quase que totalmente entregue á tudo que via e vivia, brincava com porquinhos enjeitados por suas mamães. Tinha que dá mamadeira com leite p porquinhos e bezerrinhos bebês com sua tia caçula, ela também caçula, por enquanto...certa tarde a mando de sua majestade avó, a menina foi á casa de seu tio S buscar um quilo de carne da cidade e como tudo, quase foi atropelada por uma carroça desgovernada. A reza forte de sua avó no alpendre alto da fazenda a salvou do perigo. Coitada da menina franzina, miúda, andrógina, esquecida, vivendo seus secretos medos de boneca desnuda sob o olhar condenador da visita do padre amigo da matrona q frequentava ás sextas a sala de visita para um café torrado na hora servido com doce de leite e queijo feitos na fazenda pela tia-madrinha que tivera paralisia infantil mas que costurava e bordava belos vestidos para menina no fim da colheita do arroz descascado com batidas de varas por trabalhadores no terreiro da casa, terreiro com árvores tipo embaúba, gigantes, que no escurecido esquecido da noite formavam sombras assustadoras as quais a menina assistia da varanda á luz de lampiões á gás e candeeiros com pavios de algodão sem semente torcido por ela para ás candeias com querosene,como dizia sua .ainda lembro do cheiro de querosene que empestava a casa com redes armadas em tornos de madeira e paredes grossas de taipa.